Dra. Carmita Abdo é
médica, professora de psiquiatria e coordenadora geral do ProSex, Projeto de
Sexualidade do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
NOVA POSTURA
FEMININA
- Transtornos na
área da sexualidade afetam homens e mulheres.
- Eles, de certa
forma, estão mais acostumados a tratar do assunto e, embora muitos retardem o
quanto possam a visita ao médico, a maioria acaba buscando orientação.
- Com as mulheres,
o problema se desenvolveu de modo diferente. Fatores culturais, religiosos,
morais e de educação influenciaram – e ainda influenciam – sua maneira de
entender e praticar o sexo.
- Se considerarmos
que em algumas comunidades a amputação do clitóris é costume preservado ao
longo dos tempos, podemos perceber quão profundas podem ter sido essas
influências no imaginário feminino.
- As mulheres
antigas raramente se referiam às suas dificuldades sexuais. Hoje, essa atitude
mudou e muitas se queixam de não estarem sexualmente satisfeitas. Estudos
realizados pelo ProSex,
- Projeto de Sexualidade do Hospital das
Clínicas da Universidade de São Paulo, permitem identificar três tipos
principais de queixas: falta de desejo, incapacidade de atingir o orgasmo e dor
durante a relação.
- Essa mudança de
comportamento tem sido fundamental para enfrentar as dificuldades que sempre
existiram no universo feminino. Entretanto, além da ajuda profissional, é
preciso estimular a intimidade entre os parceiros para que juntos possam
descobrir o que traz mais prazer a cada um deles.
DISFUNÇÃO ORGÁSMICA
Drauzio – Qual sua visão a respeito da dificuldade feminina de atingir o
orgasmo?
Carmita Abdo – A mulher
tem dois pontos de excitação em sua genitália: o clitóris e a vagina. O homem
tem um só e desde criança aprende que por meio da estimulação do pênis vai
chegar ao prazer.
Na masturbação, a
mulher aprende a excitar-se clitoridianamente.
- Quando começa a
fazer sexo com um parceiro, acha que deve mudar de local e atingir o prazer na
vagina pela penetração. Nem todas conseguem. Além disso, o fato de buscar o
orgasmo vaginal simultâneo ao do parceiro atrapalha muito as mulheres na
obtenção do prazer.
- No Brasil, há
dados sobre isso. Um terço de nossas mulheres nunca atingiu o orgasmo por penetração nem
por autoestimulação; um terço alcança o orgasmo vaginal e o clitoridiano e um
terço não consegue ter orgasmo dentro da vagina. Infelizmente, embora não se
sintam satisfeitas ao término da relação sexual, a imensa maioria das que não
atingem o orgasmo, nada revela a seus parceiros.
- O mais
importante, porém, não é a falta da satisfação.
- A ausência de orgasmo pode ser sinal de
problemas orgânicos mais sérios como deficiência hormonal, depressão, diabetes
ou disfunções glandulares como o hipotiroidismo e o hipertiroidismo.
- Vale também citar
certas posturas culturais (a educação repressiva é uma delas) que podem
repercutir no desempenho sexual da vida adulta.
- A mulher deve estar sempre atenta a
suas dificuldades sexuais, pois podem representar um marcador de sua saúde.
- Por isso, é
necessário considerar o problema de forma mais ampla e pesquisar as possíveis
causas da disfunção orgásmica.
FISIOLOGIA DO
ORGASMO
Drauzio – Fale um pouco sobre a diferença entre a fisiologia do orgasmo
sexual masculino e a do orgasmo sexual feminino, pois nessa diferença parece
residir grande parte dos desacertos.
Carmita Abdo – A resposta
sexual tem quatro etapas. Começa pelo desejo, passa para a excitação que vai
crescendo, chega ao orgasmo e termina num período refratário chamado de
resolução. O desejo no homem é muito precoce e ele atinge o pico de excitação
em pouquíssimo tempo.
- A mulher precisa do contato físico para passar da
primeira para a segunda fase.
- O homem é visual, a mulher é tátil e
aí começa a defasagem.
- Se ele é
inexperiente, um ejaculador precoce ou apresenta uma disfunção erétil conhecida
como impotência, não vai conseguir compor-se com a mulher e esperar que ela
chegue ao pico de excitação e ao orgasmo.
- Muitas vezes,
quando ele está terminando, ela está apenas no começo e não teve sequer a
oportunidade de comunicar-lhe o que a agrada ou não.
- Além disso, quase
sempre se cala para não constranger o parceiro nem deixá-lo em situação
difícil.
- É uma questão de tempo. Um tem de esperar o
outro. Como é difícil para a mulher adiantar-se, determinar esse compasso
caberia ao homem, pois, teoricamente, estaria mais apto para atrasar-se.
- Na prática,
porém, é comum isso não acontecer, porque ele não está suficientemente
preparado nem disponível para essa espera.
- Por outro lado,
frequentemente, ele não sabe o que se passa com a parceira porque, por medo de
perdê-lo em virtude da incapacidade de estabelecer sincronia, ela nada lhe diz.
- É importante que
os homens tomem conhecimento desse fato e propiciem às mulheres a oportunidade
de falar. Perguntem. Quem sabe, assim, passemos a falar mais antes do que
durante o ato sexual.
- No Brasil, metade dos homens e das mulheres tem problemas sexuais. A
disfunção sexual é um problema de saúde pública e, quanto mais precocemente for
tratada, menos desajustes sérios provocará no casal.
OCORRÊNCIA DE
PROBLEMAS SEXUAIS
Drauzio – Você disse que 50% dos homens e 50% das mulheres têm problemas
sexuais. O que quer dizer isso exatamente?
Carmita Abdo – No Brasil,
30% das mulheres já confessaram que não têm orgasmo; 35%, que têm alguma
dificuldade de sentir desejo e 21%, que sentem dor na relação sexual. Claro que
esses não são números isolados.
- A mesma mulher
pode manifestar os três sintomas simultaneamente e isso perfaz 49%.
- E os homens?
Pode-se dizer que 46% deles apresentam algum grau de disfunção erétil. Em
alguns casos, a disfunção é mínima, ou seja, o indivíduo tem dificuldade de
manter o pênis rijo como gostaria ou como já foi um dia. Noutros, a disfunção é
moderada.
- Apesar da perda
significativa da ereção, esses conseguem realizar ato sexual pleno com
penetração. Por fim, há os casos de disfunção completa, ou seja, ausência total
da capacidade eretiva, o que impede completamente a relação.
- Esses casos estão
assim distribuídos: 2,5% têm disfunção completa; 30% apresentam falta parcial e
o restante, disfunção mínima.
- A idade costuma
ser um fator agravante para os homens. Para dar uma noção, aos 40 anos, 1,2%
deles tem disfunção completa; aos 70 anos, 12%.
REPERCUSSÕES
PSICOLÓGICAS DA FALTA DE ORGASMO
Drauzio – Quais são as repercussões psicológicas da falta de orgasmo na
mulher?
Carmita Abdo – Primeiro, é preciso pensar que nem toda
mulher exige o orgasmo e que para muitas nem mesmo o sexo é prioritário em suas
vidas.
- No entanto, atualmente, a grande maioria começa a
desejar obter o prazer máximo.
- Se é no clitóris
que consegue a sensação, deve explicar a seu parceiro, porque o orgasmo provoca
satisfação e relaxamento.
- A falta de descarga
orgástica dificulta a liberação da tensão sexual acumulada e torna a mulher
mais irritadiça e de relacionamento interpessoal mais difícil.
- Por isso, insisto
que as mulheres não devem ficar se cobrando o orgasmo intravaginal simultâneo.
Diria mesmo que ele é quase um mito, pois é muito difícil duas pessoas chegarem
ao mesmo tempo ao fim do ato sexual todas as vezes que se relacionam.
- Quando isso
acontece, é motivo de festa, de comemoração.
Drauzio – Para alguns casais, essa
incapacidade de atingir o orgasmo simultâneo é motivo de frustração. No final,
que importância isso tem?
Carmita Abdo – Não tem nenhuma importância. O que se
espera é que haja companheirismo e parceria até o término do ato sexual.
- Dessa forma, o
que atingiu primeiro o orgasmo deve continuar estimulando o parceiro para que
também chegue ao prazer perfeito.
- Onde as coisas se complicam? Quando um dá por
terminada a relação sem se importar com a satisfação do outro. Muitas vezes, a
mulher precisa masturbar-se após o ato sexual, porque o companheiro terminou
antes, virou de lado e não se preocupou com o que estava acontecendo com ela.
- Nesses casos, é
comum ela insistir no orgasmo simultâneo como forma indireta de mostrar que ele
precisa aguardá-la.
- Para os homens
que estejam bem sexualmente é mais fácil manter esse controle.
- Se apresentam
ejaculação precoce ou disfunção erétil, o caso muda de figura.
FISIOLOGIA DO
ORGASMO
Drauzio – Você poderia explicar a fisiologia do orgasmo?
Carmita Abdo – O orgasmo não se limita aos órgãos genitais. É uma sensação que toma o corpo
todo e começa no cérebro através do desejo, que é estimulado pelos órgãos dos
sentidos e pela imaginação.
- É no cérebro que
a pessoa se libera para o ato sexual.
A pele, o maior órgão sexual que possuímos,
desempenha papel importante nesse processo. Estimulada, faz com que uma série
de neurotransmissores entrem em ação e transmitam informações aos genitais para
que sejam liberadas secreções visando à lubrificação do local.
- Os músculos
relaxam, o corpo fica alerta, a respiração mais acelerada e o coração bate mais
forte a fim de irrigar a zona onde a excitação é mais intensa.
ORGASMO
CLITORIDIANO E VAGINAL
Drauzio – Qual a diferença entre a
fisiologia do orgasmo clitoridiano e a fisiologia do orgasmo que a mulher
atinge por penetração?
Carmita Abdo – A fisiologia é praticamente a mesma, apenas
a mulher tem dois pontos em que pode excitar-se. Não há uma via específica que
encaminha para um local ou outro.
- Acontece que, às vezes, elas aprenderam a
excitar-se no clitóris e fica difícil transportar essa forma de obtenção de
prazer para dentro da vagina.
- Como esse assunto
faz parte de nosso trabalho, ouvindo o depoimento de muitas mulheres, parece
que o orgasmo dentro da vagina é mais amplo e espalha-se pelo corpo de forma
mais intensa.
- O clitoridiano é
mais silencioso, mais restrito, até porque é o orgasmo que a menina, durante a
adolescência, praticou às escondidas, reprimindo qualquer exteriorização mais
evidente. Essa característica da autoerotização feminina, leva a mulher a
exercer certo controle sobre esse tipo de prazer.
PONTO G: EXISTÊNCIA
CONTROVERTIDA
Drauzio – O ponto G é assunto discutido em todas as revistas femininas, não
é?
Carmita Abdo – Muito se discute hoje se existe ou não o
tal ponto G, local mais enervado e vascularizado dentro da vagina onde é maior
a possibilidade de prazer.
- Pergunta-se
também se a glande masculina terá sensibilidade para encontrar esse ponto.
- Segundo os
anatomistas, a penetração profunda não o estimula, porque ele se localiza na
parede anterior do terço inferior da vagina. Imaginando a mulher deitada de
costas, ele estaria mais próximo do umbigo do que do ânus.
- Teoricamente, a
penetração profunda não favorece a excitação do ponto G. É necessário estimular
o terço inferior da vagina para aumentar o prazer da mulher.
- Por outro lado, a
borda da vagina também é muito excitável. Se o homem tiver tranquilidade
suficiente para excitar essa região e, só depois, pouco a pouco ir penetrando,
além de propiciar maior prazer à mulher, estará oferecendo-lhe a oportunidade
de aprender a explorar o prazer intravaginal.
- Às vezes, porém,
ele se excita demais, não consegue controlar a situação e perde a continuidade
do ato.
- Como se vê, fazer sexo é uma
questão de treino para ambas as partes.
EJACULAÇÃO FEMININA
Drauzio – Muitos homens esperam da mulher, no momento do orgasmo, um
fenômeno semelhante ao da ejaculação masculina.
Carmita Abdo– Algumas mulheres,
em virtude do orgasmo vaginal intenso, liberam muito líquido durante o ato
sexual.
- Muitas vezes, elas relatam que ficam
completamente molhadas e chegam a levantar a hipótese de que tenham urinado.
- Só Cerca de 10%
das mulheres apresentam esse tipo de ejaculação.
- Quem não tem, não
precisa preocupar-se, porque basta a lubrificação para garantir desempenho
sexual bastante satisfatório.
- Esse fenômeno
seria resquício da semelhança existente entre os genitais masculinos e
femininos na fase embrionária, já que eles só se diferenciam completamente ao
longo do desenvolvimento intrauterino.
-A mulher exerce certo controle sobre esse tipo de prazer.
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